Desenvolver preservando para... preservar o
desenvolver
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Marcos Fava Neves*
Reprodução permitida desde que citada a fonte | ||
O Código Florestal vem sendo discutido em muitas audiências há anos e foi finalmente
aprovado pela sociedade, representada por seu Congresso. Muitos brasileiros e parte
da imprensa aproveitaram o momento para contrapor a agricultura com o ambiente,
gerando um grave dano à imagem da agricultura e promovendo a discórdia.
O mais recente caso, estimulador deste texto, é o debate editado pelo
respeitável jornal Valor Econômico(04/05/12), consolidado por três jornalistas.
Explicando ao leitor que não teve acesso ao conteúdo, é feita uma chamada
na capa com o título “empresários defendem veto a Código Florestal” e a
matéria é um debate de respeitáveis executivos e cientistas com trabalhos na
área econômica, social e ambiental, advindos de uma Fundação de preservação
de matas, uma empresa de cosméticos, de embalagens cartonadas, uma
produtora de papel e uma telefônica, além de um cientista da USP.
Sintetizo minha análise em 4 blocos: as principais proposições vindas deste debate;
os principais aprimoramentos necessários às visões; as contribuições à imprensa e
as considerações finais.
Entre as principais proposicões, temos interessantes ideias. Destacam-se as
oportunidades que se abrem ao Brasil de liderar uma nova pauta da economia
verde, do menor carbono, de certificações e pagamentos por serviços ambientais.
Levantam a ideia de que é necessário produzir mais com menos recursos, reduzir
as perdas (estimadas em mais de 20% da produção) e acreditam que com gestão
a produtividade pode aumentar. Temos que pensar 100 anos à frente.
Também aparecem a importância de se recompor o orçamento da EMBRAPA e de
outros órgãos de pesquisa, sair da clivagem “desenvolvimento x sustentabilidade”
e “natureza x urbano”. Chamam a atenção para os gargalos de infraestrutura,
para a necessidade de incentivos na correção do que foi feito de errado em desmatamento.
Utilizar a Amazônia como uma fonte de riquezas da biodiversidade lembrando do
direito de pessoas que vivem nestas regiões terem atividades econômicas e
desenvolvimento. Lembram também da necessidade de se votar medida provisória
que dá acesso a patrimônio genético, a necessidade de se extrair mais renda da
visitação das áreas preservadas, se recuperar mais as áreas degradadas e
investir no turismo. Destacam-se também as iniciativas de criação dos corredores
de biodiversidade entre áreas de reserva legal e APPs.
A segunda parte deste meu texto são os aprimoramentos de visão
necessários, por aparecer, em alguns momentos, um desconhecimento do que
é o agro brasileiro. Serão apresentadas aqui as frases colocadas no debate, em itálico,
sendo algumas agrupadas, e as minhas observações logo após.
“...O código deixou o Brasil na era medieval...”, “...o texto que foi votado é terrível...”.
Esta visão é parcial. Existem melhorias reconhecidas por cientistas no documento e ele
tem benefícios de eliminar uma grave insegurança jurídica que assola as propriedades.
“...A expansão da área agrícola é única solução proposta e não se fala uma palavra
de produtividade...”; “...O Brasil vai perder o jogo da produtividade, da tecnologia
e da inovação e aí vem a solução fácil: derruba mais um pouco de floresta e aumenta
a área plantada...”; “...não precisa derrubar mais nada... tem muita área já derrubada...”.
Estas colocações não estão bem feitas.
Os cientistas e agricultores brasileiros vêm lutando ferozmente pelo aumento da
produtividade. Enquanto no mundo cai a produtividade, no Brasil ela cresce
quase 4% ao ano e 50 milhões de hectares foram poupados graças a este esforço.
Também é um equivoco achar que precisamos derrubar mais árvores para expansão
da produção. Existe parte dos 200 milhões de hectares de pastagens que podem
ser usados para futuras áreas agrícolas.
“...A questão dos alimentos não é de produção, é de escoamento...”.
Sem dúvida há muita perda na logística, mas aqui também existe um desconhecimento
do que acontece no mundo asiático e africano que cresce a mais de 6% ao ano.
A FAO estima que teremos que dobrar a produção em 30 anos, graças ao aumento
da população, urbanização (90 milhões de pessoas por ano vão para as cidades),
distribuição de renda, biocombustíveis (nos EUA usam 130 milhões de toneladas de milho)
e outros fatores. O Brasil é primordial para isto, dito pela UNCTAD e FAO (ONU).
“...Vamos para a Rio + 20 com cara de vergonha...”.
Como já escrevi em outros textos, a vergonha dos cientistas e participantes brasileiros
na Rio + 20 não será com o Código Florestal, mas sim em explicar ao mundo
porque destruímos o combustível renovável mais respeitado, que é o etanol de
cana, aqui dentro do Brasil. É a pergunta que me fazem cientistas internacionais.
“...Estamos exportando commodities de baixíssimo valor agregado...”.
Nesta colocação temos um grave equívoco, até uma ofensa aos produtores e industriais
brasileiros. Existe enorme conteúdo tecnológico trazido pelos nossos cientistas dentro
de um grão de soja, de café, de um litro de etanol, de suco de laranja, de celulose,
de açúcar, de carne bovina. Fora isto, estamos cada vez mais exportando comidas
prontas e embaladas.
Os termos de troca são cada vez mais favoráveis às commodities. Vivemos a era das
commodities, e chamar nossa pauta de baixo valor agregado chega a ser ingênuo.
“...O projeto votado agora vai contra a maioria da população, que não quer
hoje o desmatamento, não quer a redução da floresta nas margens dos rios...”;
“...tem quatro brasileiros de cada cinco que estão a favor da Presidente para o veto...”.
Eu desconheço estas pesquisas, e também não creio que foi aprovado um
Código Florestal que estimula o desmatamento de novas áreas. É uma mensagem
errada que está se passando a população. O agro para se desenvolver, não precisa desmatar.
Na terceira parte deste meu texto tenho algumas contribuições a apontar à
imprensa. A primeira vai no sentido de, em debates, equilibrar as opiniões.
Neste caso, chamar pessoas que acham que o Código Florestal, com todos os
seus problemas, representou avanços ao Brasil. Poderiam ter sido convidados
representantes da ABAG, do ICONE, da Cooxupé, da Coamo, da Cosan, da Bunge,
da BRF, do Congresso (Deputados Aldo Rebello ou Paulo Piau), de Sindicatos de
Produtores, de Trabalhadores.
A segunda é que a manchete dada reflete uma generalização de algo que não
é generalizável. Uma pessoa que apenas lê “empresários defendem veto a código
florestal”, e boa parte do Brasil lê apenas manchetes, é levada a pensar que houve
ampla pesquisa quantitativa e que o setor empresarial brasileiro é contra o Código,
quando na verdade isto é fruto do debate de apenas 6 pessoas. Isto as vezes
acontece na imprensa, um título (manchete) que tenta generalizar algo que
não é generalizável. É preciso cuidado nisto.
A ilustração principal da matéria é uma árvore sendo cortada com uma motosserra.
Para sermos mais equilibrados, melhor contribuição seria se a matéria
tivesse o título de “sugestões de aprimoramentos ao código” e a imagem
fosse propositiva, com equilíbrio de produção e lindas matas, e são inúmeras
as imagens no Brasil de propriedades agrícolas certificadas internacionalmente.
Apresentar uma mortal imagem de árvore com motosserra foi danoso ao agro.
É necessário parar com o “ruralistas x ambientalistas”, esta contraposição
é danosa ao desenvolvimento equilibrado do Brasil e é estimulada pela própria
imprensa.
Como conclusões, por mais que este processo seja criticado, o código
foi democraticamente aprovado pela sociedade brasileira e seus representantes,
no Senado e na Câmara.
Na minha singela opinião, pressionar a Presidente para vetar este Código
é uma afronta à sua pessoa e à democracia. Dizer que é a principal decisão
de seu Governo, ou frases do tipo “vou cair da cadeira se a presidente Dilma
não vetar” ou “Dilma escreve o nome dela na história de uma maneira ou
de outra: com tintas vermelhas ou tintas azuis” não contribuem.
Este código deve ser aprovado e iniciarmos já os debates para uma
próxima versão mais moderna e contemporânea, para ser novamente
aprovada daqui 5 ou 10 anos. É preciso avançar sempre, debater sempre
e respeitar sempre.
Finalizo dizendo que tenho oportunidade de viajar uma vez por semana
e fazer pesquisa com produtores e industriais do setor agro em todos os
cantos do Brasil. É necessário sairmos dos nossos escritórios seguros e
refrigerados dos grandes centros urbanos, ir ao campo e ouvir esta gente.
É destas viagens e pesquisas que vêm nossos textos e livros propositivos.
Conversar, principalmente escutar e sentir a luta do nosso produtor contra o
arcaico sistema trabalhista, tributário, logístico, ambiental, sua luta contra
a taxa de juros, a falta de crédito, o câmbio, as intempéries climáticas, sua
luta contra as pragas e doenças e ouvir atentamente os casos de assaltos e
violência aterrorizando as famílias do campo.
Lembrar que o jornal Valor do mesmo dia coloca em seu editorial a preocupação
com a rápida deterioração da balança comercial brasileira. Vale ressaltar
que esta gente da agricultura vai exportar, em 2012, US$ 100 bilhões e importar
US$ 20 bilhões, deixando um saldo de US$ 80 bilhões ao Brasil.
Em 2000 exportávamos US$ 20 bilhões no agro. A exportação cresceu 5 vezes
em 10 anos. Renomadas revistas mundiais com a Economist, a Time, Chicago
Tribune, Le Monde deram enorme destaque e chamaram isto de silenciosa
revolução do campo brasileiro. Quem viaja sabe que temos muito poucos setores
admirados lá fora, e este é um setor que joga na primeira divisão mundial.
Se o Brasil vai fechar 2012 com um saldo de apenas US$ 15 bilhões, uma conta
simples mostra que sem esta gente do campo, a balança brasileira pularia do
saldo de US$ 15 bilhões para um deficit de US$ 65 bilhões.
Cairia por terra o Real, voltaria a inflação, cairia a arrecadação de impostos e
desapareceriam milhares de postos de trabalho. E também precisaremos
devolver nossos microcomputadores, tablets, carros, e todos os outros 25% dos
produtos que consumimos, que são importados. Vai também faltar dinheiro
para usar perfumes, telefones, cadernos, livros e produtos com embalagens cartonadas.
É preciso respeitar quem traz o caixa do Brasil, quem traz a renda do Brasil,
que depois é distribuída fartamente em todos os cantos. É injusto associar
esta gente a desmatamento, a motosserra, a destruição, com opiniões dadas
sem maior fundamento.
O Brasil terá nos próximos 20 anos a maior e melhor agricultura do mundo,
trabalhando dia e noite para ser a mais sustentável nos pilares econômico,
ambiental e social. O mundo implora ao Brasil para atender à explosão
de demanda por alimentos e bioenergia. Podemos tranquilamente exportar
US$ 200 bilhões em 2020 e US$ 300 a 400 bilhões em 2030.
Vamos deixar esta gente do campo trabalhar e tentar ajudar.
Temos que aumentar a produtividade, plantar em novas áreas de maneira
sustentável, investir em pesquisa, ciência e inovação e caminhar para
construir esta agricultura, este “agro-ambiental”, com ideias, nos
desenvolvendo com preservação e, com isto, preservando nosso desenvolvimento.
O verdadeiro e mais forte “código” será cada vez mais dado pelo mercado
consumidor, fortalecido pelas novas mídias sociais e que caminha rapidamente
para não aceitar produtos que não obedeçam certificações respeitadas internacionalmente.
Gerar a discórdia e desrespeitar o agricultor, que é quem coloca a comida
na mesa e enche o nosso bolso de dinheiro não deve ser um objetivo dos
verdadeiros brasileiros.
* é professor titular de planejamento e estratégia na FEA/USP Campus
Ribeirão Preto, Chefe do Departamento de Administração e coordenador
científico do Markestrat. Tem 25 livros publicados em 8 países.
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domingo, 20 de maio de 2012
Desenvolver preservando para... preservar o desenvolver
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